Após diversas tentativas e erros, aqui fica o meu livro ‘A Casa das Musas’ (2024) filmado por Sofia Cavalheiro, que mais uma vez tornou possível partilhá-lo convosco. Sirvam-se e disfrutem!
‘Halifax 1994’ é um livro-diário que realizei durante a minha estadia no Nova Scotia College of Art and Design em 1994. Agora filmado pela Sofia Cavalheiro, nem tenho palavras para lhe agradecer a magia com que registou este pedaço de Outono canadiano, tornando possivel partilhá-lo convosco passado 30 anos.
Finalmente vi o ‘Anselm’ de Wim Wenders, e sem o 3D no TVCine, uma vez que ainda não estou curada da doença que apanhei na pandemia, ou seja, maldita misantropia não me leva a por os pés numa sala de cinema. O filme confirmou a minha relação conflitual com a obra do Aselm Kiefer: admiro e em simultâneo assusta-me, rejeito mesmo. Talvez seja um problema cultural, relacionado com a minha miserável condição de portuguesa espanholada, tenho mais afinidades com as culturas do mediterrânio. A escala monumental wagneriana assusta-me, horas e horas de Ópera com recriação de mitologia, tudo aquilo para a eternidade, raios que o partam, os deuses que me acudam! Tive a mesma sensação quando visitei o Museu Pérgamo em Berlim, fiquei esmagada a olhar as portas da Babilónia, é apenas uma das obras monumentais dentro daquela ‘casa de conhecimento e preservação de memória’. Perguntei-me: porquê aqui e para quê? Tenho sentimentos contraditórios com a obra de Anselm Kiefer e com a cultura alemã. Terá a ver com o sentimento de sublime que Kant apresentou na sua Faculdade de Juízo? Lembro-me de ter de o estudar na Faculdade, não foi fácil de entender! Como é que na casa dos vinte anos se vai entender o pensamento de um pietista protestante alemão, que construiu um modelo de sujeito à sua imagem e semelhança, resultando uma complexa abstração? Se bem me lembro, era um modelo de sujeito com um modo de conhecer, agir e sentir ‘superior’, a tal razão tripartida num puzzle muito consistente. O raio do Kant no século XVIII montou o puzzle todo direcionado à perfeição. No caso da estética dita transcendental, do sentimento de belo lembro-me de ser classicamente aprazível e harmonioso, ao contrário do romântico e conflitual sublime, que também poderia ou não ser penoso. E ambos eram preparatórios para o juízo teleológico, a contemplação da natureza era superior à da arte, Kant estava-se a lixar para a arte, a finalidade daquele perfeito puzzle era o transcendente. Por cá no imanente vejo como a ideia de perfeição originou o Holocausto no século XX. Quanto ao Kiefer, anda há muito a escarafunchar as feridas desse passado histórico da sua cultura e confronta-nos com paisagens sublimes em grande escala. Chamam-lhe Nazi, não concordo, apesar de me assustar a sua escala monumental. O facto de estar a escarafunchar o passado nazi não é sinónimo de o ser. Não nos podemos esquecer que Hitler era um artista frustrado. O Kiefer é um grande artista, não faz mal nenhum ao mundo, produz pinturas, esculturas, instalações em larga escala, achei lindo o Wim Wenders filmá-lo a andar de bicicleta no atelier. No futuro, deveríamos poder andar de bicicleta nos museus de arte contemporânea. Ou de patins. O George W. Bush desde que se reformou dedicou-se a pintar uns cães bastante ridículos. O mundo estaria melhor se o Bush tivesse passado a vida inteira a pintar cães.
Em 1994, antes da minha estadia de seis meses no NSCAD em Halifax (Canadá), construi um livro de artista com textos-visuais labirínticos, onde as palavras foram compostas por módulos com duas letras encaixadas, ou seja, usando o mesmo sistema de anteriores quebra-cabeças, mas utilizando a transparência das folhas do livro, com páginas em papel vegetal. Estes dois filmes a partir do livro foram realizados por Sofia Cavalheiro em Julho de 2023.
Quando um amigo visitou o meu atelier em 2022, mostrei-lhe dois pequenos livros de artista pintados na juventude que datam de 1992. O meu amigo assustou-se, não conseguiu folheá-los, teve medo de os estragar. De facto, são livros delicados, frágeis mesmo e estão a degradar-se. Lembrei-me então de falar com a Sofia Cavalheiro e propus-lhe filmá-los antes que se desfaçam, o tempo tem esses efeitos. Ela achou boa ideia registá-los antes que morressem. Graças à magia da Sofia a quem estarei sempre grata, este diário que fiz em 1992 pode ser visto em filme. Os amigos são portos de abrigo, os bons encontros que dão sentido à existência.