Finalmente vi o ‘Anselm’ de Wim Wenders, e sem o 3D no TVCine, uma vez que ainda não estou curada da doença que apanhei na pandemia, ou seja, maldita misantropia não me leva a por os pés numa sala de cinema. O filme confirmou a minha relação conflitual com a obra do Aselm Kiefer: admiro e em simultâneo assusta-me, rejeito mesmo. Talvez seja um problema cultural, relacionado com a minha miserável condição de portuguesa espanholada, tenho mais afinidades com as culturas do mediterrânio. A escala monumental wagneriana assusta-me, horas e horas de Ópera com recriação de mitologia, tudo aquilo para a eternidade, raios que o partam, os deuses que me acudam! Tive a mesma sensação quando visitei o Museu Pérgamo em Berlim, fiquei esmagada a olhar as portas da Babilónia, é apenas uma das obras monumentais dentro daquela ‘casa de conhecimento e preservação de memória’. Perguntei-me: porquê aqui e para quê? Tenho sentimentos contraditórios com a obra de Anselm Kiefer e com a cultura alemã. Terá a ver com o sentimento de sublime que Kant apresentou na sua Faculdade de Juízo? Lembro-me de ter de o estudar na Faculdade, não foi fácil de entender! Como é que na casa dos vinte anos se vai entender o pensamento de um pietista protestante alemão, que construiu um modelo de sujeito à sua imagem e semelhança, resultando uma complexa abstração? Se bem me lembro, era um modelo de sujeito com um modo de conhecer, agir e sentir ‘superior’, a tal razão tripartida num puzzle muito consistente. O raio do Kant no século XVIII montou o puzzle todo direcionado à perfeição. No caso da estética dita transcendental, do sentimento de belo lembro-me de ser classicamente aprazível e harmonioso, ao contrário do romântico e conflitual sublime, que também poderia ou não ser penoso. E ambos eram preparatórios para o juízo teleológico, a contemplação da natureza era superior à da arte, Kant estava-se a lixar para a arte, a finalidade daquele perfeito puzzle era o transcendente. Por cá no imanente vejo como a ideia de perfeição originou o Holocausto no século XX. Quanto ao Kiefer, anda há muito a escarafunchar as feridas desse passado histórico da sua cultura e confronta-nos com paisagens sublimes em grande escala. Chamam-lhe Nazi, não concordo, apesar de me assustar a sua escala monumental. O facto de estar a escarafunchar o passado nazi não é sinónimo de o ser. Não nos podemos esquecer que Hitler era um artista frustrado. O Kiefer é um grande artista, não faz mal nenhum ao mundo, produz pinturas, esculturas, instalações em larga escala, achei lindo o Wim Wenders filmá-lo a andar de bicicleta no atelier. No futuro, deveríamos poder andar de bicicleta nos museus de arte contemporânea. Ou de patins. O George W. Bush desde que se reformou dedicou-se a pintar uns cães bastante ridículos. O mundo estaria melhor se o Bush tivesse passado a vida inteira a pintar cães.