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Retrospectiva de Tàpies (2024)

Este ano comemorei os 50 anos do 25 de Abril em Madrid: foi a melhor forma que encontrei de comemorar porque em Madrid senti-me livre, andei quilómetros a pé em Museus onde não estava há mais de 20 anos. Uma das exposições que vi foi uma retrospectiva de Antoni Tàpies no Centro de Arte Reina Sofia: as suas pinturas surrealistas da juventude eram intragáveis, não dá para olhar para lá. No entanto, estavam expostos desenhos de qualidade de finais do anos 40. Ainda bem que largou aquelas coisas da juvenália e desenvolveu um percurso no informalismo com um cunho pessoal. Gosto das suas pinturas matéricas monocromáticas de início da década de 60 do século passado e da década seguinte, são as minhas favoritas na sua obra. Também aprecio quando se apropria de objectos, na exposição deu  para ver que não se perdeu nos anos 80 e envelheceu fresco. A sua obra entusiasmou-me quando tinha 17-18 anos, agora continuo a apreciar, mas sem o impacto primordial. O que me entusiasmou durante a viagem, tal como na juventude, foi ver a pintura de El Greco, os quadros negros de Goya, os Caravaggios, Zurbarán e Velásquez, porque os vejo e não paro de os ver e volto a ver e ver e ver e quero voltar a Madrid para os ver novamente.

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´Nódoa Negra’, desenhos de Mimi Tavares

Em dezembro de 2022, vi a exposição da Mimi Tavares “Exílio em casa” na Galeria Monumental, onde fui surpreendida com interiores de casas ambíguos, espaços representados em desenhos e pinturas que me interpelaram ao remeterem para imagens do estranho mundo da memória e dos sonhos, como se visitasse uma casa interior com o olhar e a imaginação. Ontem fui à sua actual exposição ‘Nódoa negra’, e de novo fui interpelada com desenhos de espaços interiores desabitados, que se encontravam na segunda sala da galeria, que também é o seu espaço visitavél mais interior. Neste conjunto de desenhos denominados ‘Dentro’, as personagens são os objectos representados, objectos que habitam salas e quartos, e de um modo obscuro nos contam histórias de pessoas ausentes. Este núcleo foi completado com um conjunto de desenhos onde representou figuras humanas, personagens solitárias habitando paisagens inóspitas, em situações de tensão ou mesmo de perigo, criando uma dualidade entre natureza habitat e natureza humana. Nestes desenhos assistimos a um jogo criativo de escalas entre figura humana e paisagem, e encontram-se expostos no espaço da galeria que dá para o exterior, sendo o conjunto e bem intitulado ‘Fora’. E os desenhos da Mimi são muito forex, peculiares e únicos, são lindos, a finissage da exposição é amanhã, se não virão ainda, não percam!

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‘Geppetto’, pinturas de João Queiroz

18 de Janeiro de 2024: Ainda fui a tempo de ver ao vivo a exposição ‘Geppetto’ de João Queiroz na Galeria Miguel Nabinho : paisagens epidermicas, encáusticas em pequena escala, uma escala mais ‘humana’ a contrariar o legado do informalismo e expressionismo abstrato onde a pintura se expandiu monumentalmente, em museus de arte contemporânea que poderiam ser visitados a andar de bicicleta. As paisagens de João Queiroz exigem uma concentração bem diferente no olhar, por serem pequenas pinturas a exigir um tempo e um prazer em observar mais pausado e introspectivo, remetendo para o interior e o mistério que cada paisagem inventada apresenta, que o autor apelidou de ‘brinquedos visuais’. As pinturas provocaram ressonâncias nas minhas paisagens interiores, nas paisagens a habitar a memória, aproximando-se e afastando-se de possíveis referentes devido à ambiguidade expressiva, com um peculiar cromatismo onde se destacam contrastes luminicos, onde a figuração de árvores ou montanhas surgem em metamorfose com outros elementos, vivendo com alguma verosimilhança e imaginação em simultâneo. A forma como foram alinhadas e expostas dentro do espaço da galeria permitem uma visão sequencial, onde se relacionam numa narrativa visual pouco óbvia, permitindo ver e voltar a ver, escolher o tempo de observação de cada pintura num contexto panorâmico. Estamos sobretudo perante um jogo visual entre duas naturezas nestas pinturas: a natureza humana e a natureza natural, tendo em conta que o pintor apresenta paisagens onde a figura humana não é representada. A criação de uma pintura é a criação de um comos no caos, onde a natureza natural é o próprio caos ou habitat dos seres humanos. Não esquecer que enquanto humanos somos também um espelho do que nos rodeia, ou seja, somos natureza humana, e também natureza natural na qual estamos inseridos. João Queiroz construiu paisagens com a imaginação, paisagens interiores e exteriores, em diálogo com o mundo natural onde habita, em pinturas que são rastos da sua presença na natureza, materializando assim paisagens humanas e epidermicas, onde o rasto da sua presença no mundo se funde com a natureza que o rodeia.

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Hamburg: Março 2024 #3

Ainda sobre as pinturas de Caspar David Friedrich (1774-1840) que vi recentemente na exposição na Hamburger Kunsthalle, chamou-me a atenção duas pequenas paisagens intensas, onde representou a sua cidade natal. Friedrich nasceu em Greifswald, na Pomerânia Ocidental, cidade portuária no mar Báltico, que na altura pertencia à Suécia. Dado curioso sobre este romântico alemão, estudou pintura na Academia de Copenhaga e só a partir de 1798, se fixou em Dresden, na Alemanha. Em ‘Greifswald ao luar’ (1817) com apenas 22,5×30,5 cm, representou a sua cidade natal vista a partir do mar, onde no primeiro plano aquático se vislumbram rochas e uma embarcação à vela. Os pináculos das igrejas surgem depois por trás de um conjunto circular de redes de pesca, aparecendo como uma ilha ao luar, devido à indefinição do ambiente aquático e atmosférico nocturno. A segunda pequena pintura intitulada ‘Prados junto a Greifswald’ (1821-22) tem 34,5×48,3 cm, apresenta uma vista diurna e verdejante, onde a cidade recortada mantém o carácter insular, mas num ambiente térreo e bucólico, vivendo do contraste entre o verde dos prados onde se insere com um perfil azul-cinza, em conflito também com o amarelo-pálido da atmosfera. O que leva um pintor a representar a sua cidade natal como uma ilha quando é um porto na realidade? A memória e a imaginação de um olhar adulto estão presentes nesta sua ideia de paisagem emocional. O meu olhar que também vê com a imaginação e a memória, remeteu-me para a ilha da infância ao encontrar na apolínea paisagem verdejante um solar paraíso. Pelo contrário, mergulhei numa dionisíaca melancolia na sua visão nocturna, onde num ambiente aquático se vislumbra uma fantasmática cidade lunar, com a tristeza da infância-ilha perdida e distante.

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Hamburg: Março 2024 #2

Como vos tinha contado, em Março visitei a exposição do Caspar David Friedrich com excursões de velhotes logo de manhã, eram muitos e impressiono-me serem tão organizados e silenciosos. Mal entrei na primeira sala reparei que faziam uma primeira fila em aglomerado, e iam movendo-se lentamente de forma a poderem ver à vez. Aquilo deu-me um certo stress, não sei bem porquê, então decidi ficar sempre em segunda fila, assim podia observar com o meu tempo e fazia gestos para eles passarem à vontade à minha frente. A segunda sala era impossível ver devido à pequena escala dos desenhos e estava lá um guia, passei logo para a seguinte. Voltei lá no fim, quando tinha menos pessoas. Onde existiam quadros com uma escala maior, apesar de nunca serem muito grandes, os velhotes faziam uma pequena plateia e à vez aproximavam-se da pintura. Fiz o mesmo porque funcionava, mas dava prioridade se aparecia alguém de cadeira de rodas, muletas ou com mobilidade reduzida. Mas saltitava de uns para outros quando me encontrava na fila de trás, consoante queria ver durante mais tempo ou não. Às tantas fiquei parada a olhar para a primeira paisagem que aqui vos mostro, as montanhas e a luz de madrugada impressionaram-me e um casal meteu conversa comigo. Nomeadamente, o velhote queria saber donde eu vinha. Disse-lhe que era portuguesa, tinha vindo de Lisboa de propósito para ver a exposição. E que já tinha visto alguns quadros numa viagem a Berlim. Ele contou que era de Colónia, também tinha vindo de propósito, e estavam quadros lá que tinham vindo da sua cidade. Disse-lhe que já tinha estado em Köln a visitar uma amiga, e gostaria de visitar Dresden, porque Friedrich viveu lá e poderia ver mais pinturas. Então, contou-me que havia poucos quadros em formato maior, por causa de terem ardido em Munique. Perguntei se foi durante a II Guerra, respondeu que o incêndio foi antes. Confessei que também amava os quadros pequenos, ele colocou a mão no peito, comovido, disse sim com a cabeça, agradeceu-me e desejou-me boa estadia em Hamburgo.