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Apontamentos #3

Pensei em ter ser, não por causa da rima, o som só tem um impacto imediato. Sem fogo de artificio, estive a substituir o verbo ter pelo verbo ser. Por exemplo: eu tenho uma casa/eu sou uma casa; eu tenho um vestido, eu sou um vestido; eu tenho dois gatos/ eu sou dois gatos. Tu tens dinheiro/ tu és dinheiro; tu tens conhecimento/ tu és conhecimento; tu tens poder/tu és poder. Eles têm um grupo/ eles são um grupo; eles têm regras/ eles são regras; eles têm família/eles são família. Conclui que funciona igual para ele e no  plural nós, vós, e dá para trocar tudo, o ter ser pode ser ter, mas escolho o ter ser por causa do fogo de artificio.

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A Casa das Musas (2022-2023) #1

Como referi no prefácio do meu livroA Casa das Musas’ (2024), o livro resultou de uma interpretação visual de nove micro-ficções, escritas para comemorar o dia e noite dos Museus. Com a sua leitura participei numa sessão realizada a 15 de Maio de 2010, organizada por Pedro Sena-Lino na Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves em Lisboa. Na altura, postei as ficções no meu antigo blog, mas apenas comecei a fazer desenhos a partir delas em 2016. Entretanto, na altura não dei continuidade porque entrei na recta final do doutoramento.   Retomei este projecto no verão de 2022, com a série de desenhos a grafite tamanho A4. Em simultâneo, também realizei pequenas pinturas em papel baseadas nos desenhos.  De algum modo, ambos funcionaram como estudos para construir o livro, uma vez que ia encaixando os espaços inventados numa sequência visual narrativa. Durante a pandemia pintei sobretudo em tela a série ‘Panorâmicas (2020-2022), que terminou com um conjunto de ‘Vanitas’ (2022). Senti depois necessidade de trabalhar em papel e procurei algo mais solar e menos abismal. Vou continuar esta série porque sinto-me mais livre a trabalhar em papel do que em tela.

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Apontamentos #2

No meu antigo e intermitente blog que teve início em 2009, tinha o pluging Sitemeter que me dava o registo do que era escrito no motor de busca para lá irem parar. Fiquei por exemplo a saber que tinham escrito ou procuravam no meu blog algo sobre ‘sonhar com deitar na tampa de esgoto’, ‘fodas sigilosas’, ‘ano da cabeça de uma jovem mulher’, ‘casadas’, ‘eco boia de santa branca’, ‘figuras eco harmoniosas’, ‘capela dos ossos esqueleto bébé’, ‘desenho que simboliza a cultura do individualismo desifrado em desenho’, ‘pregar partidas a quem pede sempre cigarros’, ‘mas quando lemos em voz alta o que escrevemos’, ‘vizinhas apanhadas em flagrante’, ‘dentro dos despedaçados instantes de nenhuma hora’, ‘gráfico de queda de 30%’ ou ‘porque meu cão reconhece meu assobio’. Por cá, agora tenho o pluging SiteKit do Google que também me mostra o que foi escrito no motor de busca, e em matéria de absurdo já lá tenho o ‘enigma da carne da gaivota’.

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Hamburg: Março 2024 #3

Ainda sobre as pinturas de Caspar David Friedrich (1774-1840) que vi recentemente na exposição na Hamburger Kunsthalle, chamou-me a atenção duas pequenas paisagens intensas, onde representou a sua cidade natal. Friedrich nasceu em Greifswald, na Pomerânia Ocidental, cidade portuária no mar Báltico, que na altura pertencia à Suécia. Dado curioso sobre este romântico alemão, estudou pintura na Academia de Copenhaga e só a partir de 1798, se fixou em Dresden, na Alemanha. Em ‘Greifswald ao luar’ (1817) com apenas 22,5×30,5 cm, representou a sua cidade natal vista a partir do mar, onde no primeiro plano aquático se vislumbram rochas e uma embarcação à vela. Os pináculos das igrejas surgem depois por trás de um conjunto circular de redes de pesca, aparecendo como uma ilha ao luar, devido à indefinição do ambiente aquático e atmosférico nocturno. A segunda pequena pintura intitulada ‘Prados junto a Greifswald’ (1821-22) tem 34,5×48,3 cm, apresenta uma vista diurna e verdejante, onde a cidade recortada mantém o carácter insular, mas num ambiente térreo e bucólico, vivendo do contraste entre o verde dos prados onde se insere com um perfil azul-cinza, em conflito também com o amarelo-pálido da atmosfera. O que leva um pintor a representar a sua cidade natal como uma ilha quando é um porto na realidade? A memória e a imaginação de um olhar adulto estão presentes nesta sua ideia de paisagem emocional. O meu olhar que também vê com a imaginação e a memória, remeteu-me para a ilha da infância ao encontrar na apolínea paisagem verdejante um solar paraíso. Pelo contrário, mergulhei numa dionisíaca melancolia na sua visão nocturna, onde num ambiente aquático se vislumbra uma fantasmática cidade lunar, com a tristeza da infância-ilha perdida e distante.

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Hamburg: Março 2024 #2

Como vos tinha contado, em Março visitei a exposição do Caspar David Friedrich com excursões de velhotes logo de manhã, eram muitos e impressiono-me serem tão organizados e silenciosos. Mal entrei na primeira sala reparei que faziam uma primeira fila em aglomerado, e iam movendo-se lentamente de forma a poderem ver à vez. Aquilo deu-me um certo stress, não sei bem porquê, então decidi ficar sempre em segunda fila, assim podia observar com o meu tempo e fazia gestos para eles passarem à vontade à minha frente. A segunda sala era impossível ver devido à pequena escala dos desenhos e estava lá um guia, passei logo para a seguinte. Voltei lá no fim, quando tinha menos pessoas. Onde existiam quadros com uma escala maior, apesar de nunca serem muito grandes, os velhotes faziam uma pequena plateia e à vez aproximavam-se da pintura. Fiz o mesmo porque funcionava, mas dava prioridade se aparecia alguém de cadeira de rodas, muletas ou com mobilidade reduzida. Mas saltitava de uns para outros quando me encontrava na fila de trás, consoante queria ver durante mais tempo ou não. Às tantas fiquei parada a olhar para a primeira paisagem que aqui vos mostro, as montanhas e a luz de madrugada impressionaram-me e um casal meteu conversa comigo. Nomeadamente, o velhote queria saber donde eu vinha. Disse-lhe que era portuguesa, tinha vindo de Lisboa de propósito para ver a exposição. E que já tinha visto alguns quadros numa viagem a Berlim. Ele contou que era de Colónia, também tinha vindo de propósito, e estavam quadros lá que tinham vindo da sua cidade. Disse-lhe que já tinha estado em Köln a visitar uma amiga, e gostaria de visitar Dresden, porque Friedrich viveu lá e poderia ver mais pinturas. Então, contou-me que havia poucos quadros em formato maior, por causa de terem ardido em Munique. Perguntei se foi durante a II Guerra, respondeu que o incêndio foi antes. Confessei que também amava os quadros pequenos, ele colocou a mão no peito, comovido, disse sim com a cabeça, agradeceu-me e desejou-me boa estadia em Hamburgo.