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Panorâmicas 2020-2021

Panorâmicas pandémicas apresentadas por Ricardo Marques 2021

Conjunto de pinturas pandémicas em formato panorâmico na sequência da série ‘Naturezas-Mortas Sociais’ (2012-2014). Algumas estiveram expostas no Centro de Documentação da Câmara Municipal de Lisboa. A exposição foi organizada por Cláudia Domingues e decorreu entre 7 de Julho e 31 de Agosto de 2021. Foi ainda muito bem acompanha no catálogo pelo seguinte texto:

VANITAS EN ABYME

Se por panorama temos a ideia do dicionário de um “grande quadro circular ou cilíndrico disposto de modo que o espectador, colocado no centro, veja os objectos representados como se estivesse numa altura, dominando todo o horizonte em volta” os novos quadros de Maria João Lopes Fernandes (MJLF) acertam em cheio no seu título. Não serão cilíndricos estes quadros rectangulares, mas são circulares no sentido do que pretendem retratar: são panorâmicas de panoramas sociais imaginados pela pintora, onde os elementos justapostos são os do nosso quotidiano – como a comida e as flores o são na tradicional natureza-morta. 

Já sabemos que este é um tema caro à pintora, que o tem sabido pensar, expôr e desenvolver ao longo da última década, mostrando assim que o género está mais vivo que morto apesar da natureza do seu nome, e que permite contaminações contemporâneas, como a da colagem. Como se o óleo não desse já o tom e não fosse suficientemente impactante por si só, é frequente encontrar aqui e ali traços reais, retirados de jornais e de outros suportes em papel, de figurações e cenas vivas da nossa vida, dando uma textura por vezes palpável a estas telas, ao nosso tempo ali cristalizado. 

E mais do que a indiscutível virtuosidade da técnica, que a remete para o seu passado histórico-académico, o que acaba por ganhar primazia e se destaca claramente são os elementos escolhidos, o choque que a sua disposição quer, porque pode, provocar: e essa é uma forma inteligente de actualizar a ideia-conceito por parte de MJLF. Essa metamorfose política do carácter plástico da natureza-morta justifica-se desde logo quando lembramos que foi na literatura que este termo teve origem. Senão, vejamos: este sabão azul e branco, estes polícias e um ou outro fruto: que história pretende MJLF contar-nos que não a história dos nossos dias? Estes quadros podem ser vistos como pequenas narrativas do tempo recente (panorâmicas) cuja (anti-)chave está, porém, nos múltiplos caminhos da imaginação.

E chegado aqui pergunto-me se outra definição de panorâmica se poderia também aplicar: a do cinema. Lembremo-la: “Movimento ou plano cinematográfico em que a câmara se desloca rodando horizontalmente sobre um eixo fixo.” Não será este o movimento do próprio espectador quando se aproxima do quadro? Dito por outras palavras, que filmes fará cada pessoa que passar frente a estas telas? E se cinema é emoção, não despertarão estes quadros uma comoção, que é o passo imediatamente anterior à necessidade de agir (motio)? De resto, a ilusão de movimento (quase em trompe l’oeil) é, sem dúvida, um dos traços mais surpreendentes destes quadros.

Como esta exposição prova, então, a arte é realmente o domínio onde ainda tudo pode acontecer, neste tempo virtual de truculentas vanitas; onde o aparente oxímoro de um nome (natureza-morta social) não existe para excluir ninguém, querendo aliás mostrar como, pelo contrário, estamos todos incluídos e ligados ao nosso tempo pela arte nele criada: nas nossas histórias individuais e colectivas, nos nossos sacrifícios e crenças, na nossa luta diária por um mundo melhor.

Mostrando, no fundo, porque razão “The revolution will not be televised.” 

Ricardo Marques

Por MJLFernandes

Artista visual e investigadora.

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