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Apresentação de ‘A Noite’

Foi no dia 24 de Junho de 2017, apresentei  A NOITE de Ricardo Marques, ao lado da Raquel Nobre Guerra que leu os  poemas na Livraria da ZDB.  Foi num  belíssimo fim de tarde onde li o seguinte texto: 

Tenho acompanhado a poesia do Ricardo Marques desde o seu primeiro livro, «Eudaimonia», para o qual contribui com a imagem da capa e ilustrações no seu interior. O Ricardo tem-nos habituado a um registo depurado e rigoroso, em livros bem estruturados, tal como este livro A NOITE. No entanto, este livro é um pouco diferente dos anteriores, porque apresenta uma maior diversidade formal. Essa diversidade realiza-se em torno de um tema, aliás, trata-se de variações sobre a noite, como indica o subtítulo, ou seja, este tema foi abordado ao longo do livro, mas de forma alterada, como acontece em termos clássicos numa composição musical. Este livro não é apenas sobre a noite, está estruturado como a própria noite, com as suas estâncias: inicia com o crepúsculo, existe uma meia-noite e um chiaroscuro ou amanhecer.

O Ricardo Marques neste momento tem uma exposição de colagens no edifício da Câmara Municipal de Lisboa em Entrecampos, que vos aconselho a visitarem, para conhecerem o que está a desenvolver com este processo em termos visuais. Nas colagens visuais, ele apropriou-se de material gráfico diverso, estabelecendo relações imprevisíveis com elementos encontrados, rasgados e escolhidos, aos quais atribuiu um novo sentido, através da «cola mágica», que é uma ideia que está presente na origem etimológica da palavra «collage» (no francês). Em a NOITE, também utilizou este processo na construção de poemas, muitos deles resultam de colagens intertextuais e têm uma coordenada visual. Ao longo do livro, o Ricardo Marques vai estabelecendo diálogos com outros autores, como a poeta Safo, voz feminina da antiguidade e originária da ilha de Lesbos na Grécia; ou com a fotógrafa Nan Goldin, cuja obra a partir dos anos setenta, eternizou seres humanos que vivem e trabalham na noite, na cultura underground de Boston e Nova York. Deparamos também com vários encontros ou referências a poetas como Rilke ou Maley Hopkins, com pinturas de Magritte, Rembrant, Edward Hopper, e sobretudo com músicos como Tom Waits, Pati Smith, PJ Harvey ou Elodie Lauten.

As referências musicais preponderam ao longo deste livro nocturno: logo no início surge um poema onde aborda a sombra e o anjo negro que é a noite, relacionado com um fragmento da letra de «La Folie» dos «The Stranglers». Esta preponderância de encontros musicais deve-se, a meu ver, à relação intrínseca que existe entre noite e a música. Nietzche em «Aurora» escreveu um aforismo onde caracterizou a música como a arte da noite e da penumbra, devido ao ouvido ser o órgão do medo, o que o torna menos necessário à luz do dia. A visão é um sentido nobre e diurno, Apolínio digamos, que se anula no escuro da noite, onde a música se faz e escuta melhor. Na noite, o império da audição afasta as outras percepções sensoriais. A música, que é da ordem do invisível, invade os corpos de quem a escuta, instala-se no seu sistema nervoso e nas funções vitais, elegendo a intimidade dos auditores como domicílio. O som tem um carácter invasivo que não existe na imagem, porque no nobre sentido da visão está sempre implícito uma distância ou ponto de vista. A audição da música, pelo contrário, pode mesmo provocar estados de transe, onde o sujeito deixa de ser ele próprio, também através da dança. A música tem um carácter dionisíaco.

 Paira assim um fantasma sonoro neste livro, mas ele está presente através de palavras de canções, que se acendem na noite e funcionam como uma claridade no escuro. As palavras das canções surgem conjugadas com palavras do Ricardo Marques, abordando sensações dos corpos na noite, o amor, assim como o tempo que passa ou a insónia. Aliás, grande parte dos poemas deste livro tem uma coordenada visual, onde os versos estão dispersos na página, surgindo como pequenos pontos luminosos na noite, que remetem para constelações. Num dos primeiros poemas onde isso acontece, a palavra penumbra surge destacada e desconstruída, conjugada com os restantes versos e com a palavra “luz”, também em destaque, que ao formarem um ideograma permite um jogo de leituras, através das várias direcções e combinações das palavras e versos.

A coordenada visual destes poemas nocturnos remetem para a liberdade compositiva de Stéphane Mallarmé em «Un coup de dés jamais n’abolira le hasard» (1887) – «Um lance de dados jamais abolirá o acaso», como traduziu Armando da Silva Carvalho em português, na editora Relógio d’Água. Nesse lance de dados, o poeta simbolista francês utilizou versos livres, dispersando-os sobre a página e valorizou os espaços em branco entre as palavras e em torno delas para formar ideogramas. A pontuação dos versos foi assim substituída pelo branco da página, tornando-o um elemento primordial na organização rítmica, tal como acontece com as pausas na música. Constelação é também uma palavra presente e em destaque no final de «Un Coup de dês», uma palavra-imagem que foi muito utilizada para classificar este tipo de composições. Num fragmento de uma carta a um amigo, Mallarmé afirmou que nesse poema desejava que os caracteres das palavras fossem bastante apertados, para se adaptarem à condensação dos versos, mas também que existisse ar entre eles, espaço para se distinguirem uns dos outros, com zonas de descanso para não serem lidos de uma só tiragem ou esticão.

Mas nem todos os poemas deste livro A NOITE formam constelações. Perto do meio da noite encontramos um bloco de prosa poética que aborda a passagem do tempo; surge também um poema figurado, num diálogo que o Ricardo Marques estabelece com «O império das luzes» (1949) de Magritte, antes da «Insónia de Manley Hopkins» e já perto do chiaroescuro (estou a situar assim o poema, porque não se encontram numerados ou com números de página no livro). As estrofes do poema «Imaginez la nuit, mon ami Magritte» encontram-se alinhadas na vertical, remetendo para a forma de um candeeiro presente nesta pintura, onde Magritte de forma paradoxal conjugou a noite e o dia numa só imagem. Este poema figurado remete para os «Calligrames» (1916) de Apollinaire. E para terminar, penso que este livro A NOITE, se pode apelidar de pequeno álbum de constelações, e espero que gostem de ler e também de ver as palavras destes poemas a brilhar no silêncio da página, tal como se observassem um céu estrelado na noite.

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Natureza-Morta Social (Janeiro 2014)

Colagem e óleo sobre tela, 110x170cm.

No dia 26 de Janeiro de 2014, o Papa Francisco lançou duas pombas pela paz na Ucrânia na Praça de S. Pedro.  Na altura, tinham sido mortos manifestantes que se encontravam em protesto na  Praça Maiden em Kiev.  No Vaticano,  as pombas pela paz foram atacadas por um corvo e uma gaivota. As imagens impressionaram-me muito, por isso, utilizei-as na construção de uma pintura da série ‘Naturezas-Mortas Sociais’. No ano anterior, o Papa Bento XVI também lançou uma pomba pela paz a 27 de Janeiro no mesmo sítio,  e foi atacada por uma gaivota. Depois destas situações, o Papa Francisco passou a lançar balões em vez de pombas brancas, pela paz no mundo, sempre no mês de Janeiro na Praça de São Pedro. Agora temos um mundo com duas guerras atrozes, surgiram logo após a pandemia Covid-19.  Peste, fome, guerra e morte, estão de volta os quatro cavaleiros do apocalipse. 

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Big Ode #2, 2007

A ‘Big Ode #2: Poesia e Imagem’ (Julho 2007) foi uma edição especial em forma de caixa e teve 150 exemplares. Com o tema ‘A Viagem’ os autores participaram enviando material em suportes diversos e incluiu um CD dos Ventilan, gravado em estúdio pelo Fernando Gomes. Recordo bem o lançamento na recém-inaugurada Fábrica de Braço-de-Prata, na altura as minhas esculturas ‘Babilónias’ estavam expostas numa parede na Sala Deleuze. Houve concerto dos Ventilan, onde fiz uma breve introdução: reencarnei na maravilhosa Mrs Florence Foster Jenkins em playback, fui vestida a rigor com asas de anjo e o som esteve a cargo do Luis Germano. Depois o Nuno Moura leu muito bem Boris Vian (aliás, foi uma tradução em português de ‘Je Suis Snob’) e o concerto teve como ponto alto a leitura de ‘A poesia dá dinheiro a Portugal’ com o Henrique Manuel Bento Fialho a dar tudo na guitarra. Além dos Ventilan, lembro-me de estarem lá a Margarida Chambel , o Miguel Rodrigues,  a Raquel Coelho, a Sara Franco, o Tiago Veiga, e não só. Como também houve concerto dos irmãos catita noutra sala, às tantas o Manuel João Vieira de viola em punho dedicou uma serenata à Sara Rocio. Não sei como o Henrique Matos, que se passeava com a capa de um single do Demis Russos a tira colo, convenceu o Manuel João a ir para o palco tocar piano e começou no microfone a dizer um longo poema do Tiago Veiga. Ele tinha apenas um papelinho tipo cábula na mão e como estava a fumar, colocou o cinzeiro no topo da careca. A Sara ao fundo da sala preocupada fazia gestos para ele não deixar cair o cinzeiro, volta e meia ele deitava lá cinza, sem parar de dizer o poema e aguentou-se até ao fim. Já às tantas da manhã, o Fernando Gomes brindou-nos com Piazzola no piano, outra surpresa inesquecível. Obrigada por esta viagem na memória Rodrigo, foi muito bom voltar a abrir a caixa do número 2 da bigode.

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Big Ode #1, 2007

Na Big Ode #1: poesia e imagem (Março de 2007), o projecto aventura de Rodrigo Miragaia surgia com assistência minha e da Sara Rocio, e tinha mais de metade do tamanho do anterior número. Nas suas páginas o Rodrigo expôs fotografias dos meus livros-objectos acompanhados de um texto sobre cadernos de desenho. Eu colaborei com uma entrevista ao poeta experimental César Figueiredo, cuja obra se destaca na poética verbo-visual contemporânea, também por usar peculiares processos criativos. Publiquei ainda um texto sobre as suas Worm Prodution´s, originais edições que seguem o espírito das interdisciplinares fluxkits, utilizando o potencial da copy-art aliada também à apropriação de objectos na criação de múltiplos.

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Uma casa no tempo 2006

 A primeira vez que publiquei textos foi numa colectânea de contos da Companhia do Eu, escola criada por Pedro Sena-Lino em 2005, onde também dei aulas de introdução à pintura e trabalhei no atendimento aos alunos. Tudo se passava em horários pós-laborais, tenho excelentes memórias deste espaço livre onde convivi com pessoas muito interessantes e encontrei bons amigos. Isto passou-se no período anterior ao meu doutoramento nas Belas-Artes de Lisboa. As prosas-poéticas da coletânea também estão presentes no Blog Insónia do Henrique Manuel Bento Fialho, onde colaborei entre 2005-2009. Tanto a amizade e a partilha no blog do Henrique, como a amizade do Pedro e a colaboração na sua escola foram importantes no desenvolvimento desta minha componente de resvalar para escrita, com uma presença intermitente no meu percurso, uma vez que as artes visuais são preponderantes. E como dizia Vinícius de Moraes: ‘A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida’. Tenho a sorte de encontrar pessoas bonitas e fazer bons amigos por onde vou passando, apesar de me sentir sempre estrangeira e em viagem por onde passo.