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Da Natureza (2009)

Conto publicado na antologia Da Natureza (2009)

A história desta antologia, organizada pela Sara Monteiro em 2009, intitulada ‘Da Natureza’ e publicada pela Fundação de Odemira foi uma experiência inesquecível. Conhecia a Sara das suas colaborações na Big Ode, também tínhamos publicado em antologias de Micro-ficção. Para ‘Da Natureza’ enviei-lhe um contou mais extenso que o habitual, uma ficção onde uma cantora lírica estabelecia um diálogo interior com a paisagem alentejana, ao rumar de carro em direcção ao sul, sendo também uma viagem na memória terminando na infância. A Sara sabia que sou alentejana e pensou que era um relato autobiográfico, por isso, lembrou-se que eu poderia dar boleia a partir de Lisboa ao Rui Costa, meu compagnon de route no blog Insónia do Henrique Manuel Bento Fialho e também da revista Big Ode. Quando havia lançamentos da revista no Gato Vadio, onde nos encontrávamos com vários autores do Porto, o Rui era sempre o nosso cicerone na vida nocturna. Para o lançamento da antologia em Odemira, depois de informar a Sara que não tenho carta de condução, apanhamos boleia com a Risoleta C. Pinto Pedro. O ponto de encontro foi a António Arroio onde a Risoleta era professora de português. Fui aluna nesta escola de arte, não ia lá desde 1987, foi um local intenso de descobertas na juventude. Quando cheguei à porta, ao ver o grafitti AMO-TE, com o piloto automático puxei de um cigarro. Veio logo um funcionário dizer que era proibido fumar, respondi que estava ao ar livre, o segurança mandou-me sair da escola. Tive de fumar fora do portão da entrada, a recordar o mundo diferente onde vivi. Na minha juventude existia a alameda das ganzas no interior da António Arroio, um corredor na cave onde partilhava charros com a professora de desenho e não só. Depois apareceu o Rui Costa e fomos de carro guiados pela Risoleta em direção a Odemira. O Rui era excelente contador de histórias, relatou-me no caminho um namorico na adolescência com uma miúda de Évora: conheceram-se em férias no Algarve e quando o Pai dela os apanhou aos beijinhos, deu-lhe um estalo à sua frente dele, o que o deixou estupefacto. O Rui era um espírito livre e entendia bem a repressão da sociedade tacanha portuguesa. Tive sorte com a família que me calhou na rifa, isso nunca me aconteceu, mas conheço histórias violentas e horríveis da cidade branca das muralhas, nem me quero lembrar da adolescência que tive em Évora. Tenho imensas saudades do Rui, partiu cedo demais. Voltando ao encontro em Odemira, foi um óptimo convívio com os autores, lembro-me que me chamaram escritora e me deu uma enorme vontade de rir. O conto da antologia era escrita de pintora, funcionava como uma sequência de imagens. Lembro-me de explicar à Sara que era auto-ficcional, o que havia de auto-biográfico era o final: em criança, segundo relatos dos meus irmãos, acreditava que o eco era uma pessoa real que estava escondida a repetir o que dizia. O conto era uma história inventada a partir desta verdade, com base em histórias que conheço bem, não deixa de ser também mentira. Para pregar uma boa mentira ou escrever um conto, tem de haver verosimilhança (Diderot), um fundo de verdade na narrativa que se constrói. Vou estar sempre grata à Sara Monteiro ter-me desafiado a publicar nesta antologia por guardar na memória a vivência, a partilha com enorme carinho.

 

Podem ler o conto incluido nesta antologia aqui

Por MJLFernandes

Chamo-me Maria João Lopes Fernandes (Évora,1969-), sou artista visual e investigadora com um percurso onde estabeleço relações entre as artes visuais e a literatura.

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